sábado, 27 de agosto de 2011

Capítulo 2 - Era uma vez

Era uma vez uma criança, que haveria de crescer e se tornar o velho Dionísio do qual falávamos.

Por hora, mal entendia o mundo, sendo pequeno, rosado e feliz.

Como toda criança, possuía seu papai e sua mamãe. Estes, por sua vez, possuíam uma reputação não muito boa, e dívidas de aparência ainda pior. Nunca haviam ligado muito para qualquer dessas coisas - mas era difícil permanecer indiferente à vida quando certo menino chorava no meio da noite, quer de fome, frio, calor ou saudade.

Tiveram, ao que pareceu, uma ideia incrível: tirariam férias todos os verões. E como férias significavam (acima de tudo) férias de Dionísio, deixavam o menino aos cuidados da avó paterna, Isabel, durante os três meses da estação. Grave bem o nome dela.

A experiência se mostrou agradabilíssima ao senhor e a senhora Campos, e tornaram a repeti-la. Os verões, todavia, se prolongaram. Converteram-se em outono e inverno, primavera e um novo verão, que virava outono...

Para encurtar, resta dizer que Dionísio, já velho, ainda vivia o eterno verão.

E sabe? Nunca ligou muito para isso. Felizmente, tinha a melhor avó de todas e, por muito tempo, Isabel era a família que lhe bastava. Chamava-a de Nana, e nós também a chamaremos assim.

Nana possuía aquele charme inato às avós, que é capaz de derreter o coração da maioria das pessoas. Arrebatara o netinho desde o primeiro momento, com o coque grisalho, os olhos bondosos e os biscoitinhos de nata. Era toda saudade, do marido e do filho (relutava em admitir - havia muito nele que era uma versão corrompida dela mesma, e é tão difícil se perdoar...).

Esquecia da dor, porém, quando olhava para o neto. Era como se a criança fosse mais filho de seu marido do que seu próprio filho. Percebia no modo em que o garoto franzia a testa, ou sorria, e até mesmo nas conversas e silêncios. Amou-o desde o primeiro momento, e queria ter certeza que não erraria com ele. Firmou os pezinhos do menino, o ensinou as palavras e as coisas. E não podia deixar de ser grata pela herança que o marido deixara, a qual lhe permitia uma vida confortável.

Sua casa era tanto quanto afastada da cidade, mas não chegava a ser um sítio. Nana não tinha lá muito jeito com criações, e possuía verdadeiro horror a galinhas. Na verdade, houve uma vez...

- Nana, olha o que eu achei! - dizia o menino, escondendo algo com ambas as mãos.

- O que foi, Ni?

- Pintinho!

Mal olhou para a bolinha amarela e inofensiva nas mãos da criança e se pôs a gritar. Um tanto quanto aflito, deixou cair a pequena ave, que piou desesperadamente por uns dez segundos. Nana se acalmou um pouco, porque cuidava de um menino pequeno - e se tratando dessas criaturinhas adoráveis, silêncio raramente é um bom sinal.

Acontece que Dionísio não sabia bem como reagir, e tomou a única solução que lhe veio a cabeça.

Uma massa informe, vermelha e ensopada, encontrava-se sob um dos pés (felizmente calçados) do menino. Ele desviava o olhar do misto de sangue e penas amarelas, engolindo um choro mal-disfarçado.

Nana limpou toda a bagunça e ambos preferiram não tocar mais no assunto.

// - // - //

Eram tão feliz quanto se podia imaginar, e isso já era muita coisa.

Algo, porém, preocupava Nana: o menino era só. Faltava alguma coisa em sua risada. Era, talvez, a criança mais séria que conheceu. Sabia que o garoto a amava tanto quanto ela a ele, mas não era certo que fosse sua única companhia. Seria realmente difícil levar Dionísio até a cidade todos os dias, para que pudesse brincar. E mesmo quando tentara, o neto havia rejeitado trocar sua avó por aquele monte de crianças barulhentas. Não estava acostumado, não se sentia preparado.

Sabendo que isso não poderia de forma alguma fazer bem ao garoto, ela orava para que os céus enviassem qualquer anjinho disposto a ajudar o neto.

Às vezes, as preces sobem com cheiro de perfume agradável, dançando com a brisa. Então milagres realmente acontecem...

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